Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
A PEC 45/19 é apresentada como a reforma ideal do sistema tributário, que permitirá um crescimento “chinês” da economia, superior, inclusive, ao da época do “Milagre Econômico Brasileiro” da década de 1970.
Essa narrativa, do crescimento extraordinário da economia em função da reforma, não encontra base na realidade, sendo mera projeção sem base que a sustente.
Basta analisar a proposta, que promete a “simplificação, a neutralidade, a equidade e a transparência do sistema tributário brasileiro” segundo seus autores. Ao contrário da projeção de crescimento, a proposta não se afigura adequada para contribuir com o crescimento da economia, sendo mais provável que resulte em recessão.
Como sempre, o problema mora nos detalhes, que vêm sendo ignorados por muitos que têm se manifestado a favor da PEC. Em que pese o mérito dos objetivos visados, uma análise detalhada da proposta parece indicar que ela agravará as distorções existentes na tributação, que se constituem em obstáculos ao desenvolvimento do país.
Cabe destacar que, de acordo com dados da Receita Federal, os encargos sobre a folha de pagamentos representam cerca de 26% da carga tributária, equivalente a 8,4% do PIB, e não poderiam deixar de ser considerados na discussão da reforma nessa fase, porque representam um tributo em “cascata” com repercussão diferenciada entre setores e empresas.
Começando pela simplificação, o período de transição para os contribuintes, de dez anos, com a manutenção dos impostos atuais, inclusive do ICMS, com todos os seus problemas, convivendo com o novo imposto, aumenta a burocracia, em vez de diminuir.
As empresas de serviços, que não têm grandes problemas com a escrituração do ISS, terão, mesmo depois da transição, forte aumento da burocracia.
Se o prazo de dez anos para a transição das empresas é longo numa economia em transformação tecnológica e acelerada informatização, o período de cinquenta anos, para os estados, é absolutamente irrealista.
Outro ponto a ser destacado é que a alíquota mencionada como necessária para manter a neutralidade, na casa dos 25%, se coloca entre as mais altas, na comparação com a do IVA dos principais países onde o sistema é adotado.
Acresce destacar que a proposta em questão promove o aumento do peso da tributação indireta na carga tributária, na direção contrária ao esperado.
Outro ponto que revela a inconsistência da unificação e da alíquota única é que, na medida em que o IPI integra o IBS, ao pagar esse tributo, a educação, a saúde e outros serviços estarão pagando uma parcela referente ao Imposto sobre Produtos Industrializados, o que parece ilógico.
A promessa de neutralidade da reforma, isto é, de não haver aumento da carga tributária, não é assegurada pelo texto, porque a autonomia de estados e municípios lhes assegura o direito de aumentar suas alíquotas.
Além disso, não existem dados suficientes para determinar as alíquotas, porque não se conhece o impacto das mudanças propostas sobre o sistema de preços, principal sinalizador do mercado. Como cada produto e cada serviço sofrerá alteração diferente da tributação, torna-se impossível avaliar o resultado das mudanças a priori.
Empresas que terão aumento de imposto poderão buscar compensar, enquanto aquelas que terão redução poderão procurar recuperar as margens, achatadas durante a pandemia. Como a cada ano da transição altera a proporção da tributação entre os impostos velhos e os novos, muitas empresas poderão antecipar o aumento esperado nos dez anos.
A instabilidade e incerteza sobre o comportamento dos preços durante a transição poderá afetar de forma negativa a atividade econômica, com reflexos negativos sobre o emprego.
Quanto à equidade, alíquota única para bens e serviços desconsidera que alguns segmentos, especialmente os que prestam serviços para as pessoas físicas, têm pouco, ou nenhum crédito para deduzir de valor adicionado e, portanto, a alíquota única se torna muito elevada, podendo inviabilizar muitas empresas ou setores. Pretender a equidade com a alíquota única, sem considerar o peso dos encargos sobre a folha, agrava as distorções se não consideradas.
A equidade entre os entes federados também não é garantida pela proposta porque, na medida em que os serviços aumentam sua participação na economia, também cresce a arrecadação do ISS dos municípios. Dessa forma, a unificação dos impostos prejudica as cidades que mais arrecadam o ISS, que perderão duplamente: com o menor crescimento de sua receita e com a mudança no critério de repartição dos Fundos, uma vez que a proposta aumenta a parcela baseada na população, em detrimento dos maiores arrecadadores do imposto sobre serviços.
Quanto à transparência, na medida em que decisões relevantes são dependentes da Lei Complementar, que não é conhecida, não se pode avaliar com clareza o impacto da PEC 45 sobre a economia, portanto a narrativa de crescimento elevado do PIB como resultado da proposta é apenas um exercício de projeções aleatórias.
Na verdade, é preciso destacar que os riscos das mudanças propostas para o setor Serviços, o maior empregador da economia, e o que mais emprega mão de obra não especializada, são relevantes e precisam ser considerados.
Cabe lembrar que se tornam mais graves se considerarmos que foi o setor mais afetado pela pandemia, o que deixou grande parte das empresas fragilizadas e endividadas, não sendo prudente uma mudança profunda neste momento.
Embora seja importante a realização da reforma tributária, é preciso primeiro equacionar a questão dos encargos sobre a folha de pagamentos, buscando uma solução para a desoneração da mão de obra que garanta a sustentabilidade da Previdência, cuja base atual vem erodindo por diversos fatores.
Também é necessário corrigir as distorções do ICMS e do ISS pela via infraconstitucional, pois unificar os impostos com os problemas atuais vai somar as dificuldades, ao invés de simplificar.
Discutidos esses dois pontos, pode-se pensar em uma reforma tributária moderna, totalmente informatizada, que reduza custos para o fisco e para os contribuintes e crie condições para a aceleração do crescimento.