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Piora na percepção sobre quadro fiscal ofusca acomodação da atividade e exige ajuste de despesas, avalia FGV
Fundação, em seu Boletim Macro de outubro, revisou ligeiramente as expectativas para o crescimento PIB de 2024, de 2,9% para 3%, e do terceiro trimestre, de -0,1% para 0,1%, na comparação ante os três meses anteriores
21/10/2024
Valor Econômico

Por Marcelo Osakabe

 

A esperada acomodação da atividade econômica após um primeiro semestre surpreendente começa a aparecer nos indicadores, juntamente com o impulso fiscal decrescente. O que poderia ser motivo de alívio e boa notícia para a inflação, no entanto, está ofuscado pela crescente deterioração da percepção de risco dos agentes em relação ao quadro fiscal brasileiro , situação esta que pressiona o câmbio e a curva de juros. Diante de um quadro como este, é necessário “mostrar entregas” no quesito ajuste de despesas, e que elas aconteçam urgentemente.

A edição de outubro do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV) revisou ligeiramente a expectativa para o crescimento do PIB de 2024, de 2,9% para 3%. Após os dados de agosto, a projeção para o terceiro trimestre foi ajustada de -0,1% para 0,1%, na comparação ante os três meses anteriores.

Em termos anualizados, ainda é uma expansão robusta, de 3,2%, destaca a coordenadora do boletim, Silvia Matos. “O consumo das famílias vai seguir muito forte, esperamos alta interanual de 3,8%. Apesar de o mercado de trabalho seguir aquecido, o pico do estímulo fiscal está passando, juntamente com o ciclo eleitoral. É algo que vai acabar puxando para baixo não só o consumo do governo, mas também o das famílias e os investimentos no terceiro trimestre”, explica.

Silvia nota que dados setoriais da indústria, serviços e varejo também apontam acomodação, ao passo que os indicadores de confiança indicam acomodação do sentimento das empresas.

O índice de Confiança Empresarial (ICE) calculado pelo FGV Ibre baixou 0,8 ponto, a primeira queda após seis altas seguidas e apenas a segunda em 2024.

Na abertura pelo lado da oferta, a perspectiva é que setor de serviços devem continuar liderando com alta de 0,4% contra o trimestre anterior, seguido da indústria (0,3%), enquanto a agropecuária deve amargar contração de 1%.

Exceção a essa última, são números bem mais modestos que o do segundo trimestre (1% e 1,8%, respectivamente).

Do lado da oferta, mesma situação. Dois dos propulsores do trimestre anterior, o consumo das famílias deve desacelerar de 1,3% para 0,2%, enquanto o do governo passa de 1,3% para 0,5%. O Ibre espera que o crescimento da formação bruta de capital fixo seja zero na comparação trimestral. Já as exportações desaceleram de 1,4% para 0,7%, e as importações, de 7,6% para 0,4%.

“Não vai ser uma desaceleração intensa, o hiato do produto não vai voltar ao negativo, até porque esperamos reaceleração da atividade no primeiro trimestre de 2025”, continua Matos. O Ibre projeta um crescimento de 2% no próximo ano.

Este quadro poderia ajudar o cenário da inflação, mas este tem sido pressionado por dois componentes. Primeiro, a estiagem severa e seus impactos sobre alimentos e também sobre a tarifa de energia. Os economistas André Braz e Mateus Dias notam que a inflação ao produtor registrou alta de 8,4% em setembro, ante queda de 6,9% um ano antes.

“Essa pressão já é visível para os consumidores, com os preços de alimentos no domicílio subindo 6,1% no acumulado de 12 meses, contra uma queda de 0,78% no mesmo período de 2023”, escrevem. Dada mudança e manutenção de bandeiras tarifárias mais caras, a energia elétrica já subiu aproximadamente 10% no ano, acrescentando 0,4 ponto porcentual ao IPCA.

O Ibre estima que indicador encerre 2024 em 4,7% — acima, portanto, do teto da meta perseguida pelo Banco Central, e desacelere para 4,3% em 2025. Além dos efeitos da seca e da atividade forte, Silvia destaca também a forte piora da percepção fiscal, que tem mantido o dólar e a curva de juros em alta , em um movimento que pressiona as expectativas dos agentes sobre a inflação e, por consequência, o Banco Central.

“O quadro inflacionário fica pior no curto prazo, então BC precisa atuar mais incisivamente. Com projeções caminhando para ficar acima da meta este ano, não consigo ver a Selic caindo ano que vem”, diz Matos. “Mesmo o cenário internacional pode não ajudar muito, como se chegou a esperar. O Federal Reserve começou o seu ciclo de cortes com 0,50 ponto porcentual, mas indica que pode optar por 0,25 ponto na próxima reunião e até interrompê-lo, em meio a questões como as que permeiam as eleições nos Estados Unidos. Trump tem uma agenda bastante protecionista, o que pode ser inflacionário”.

A economista avalia que, no Brasil, o mercado, durante algum tempo, deu o benefício da dúvida para o arcabouço fiscal. “Houve gente com visão bastante otimista. Agora o pessoal está mais como São Tomé, está esperando alguma medida concreta de controle de gasto.”

Matos lamenta que, no Brasil, é preciso que o cenário tenha grave piora para que algo de bom saia da política no enfrentamento à questão fiscal. “No fundo, o que precisamos ter é perspectiva de que algum resultado primário positivo possa ser vislumbrado no horizonte, e isso não ocorreu ainda. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da transição foi aprovada no fim de 2022 sem grandes transtornos — e atentou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal ao aumentar o gasto recorrente em torno de 1% do PIB sem previsão de como isso seria financiado. Esse 1% é exatamente o buraco que precisamos fechar atualmente. Ou seja, essa questão segue engasgada, atrapalhando um cenário que poderia ser muito mais positivo, com crescimento desacelerando lentamente, uma alta de juros menor.”

 

 

Nesse sentido, a proposta de isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil poderia causar ainda mais aflição caso seja compensada pela aplicação de um imposto mínimo de 12% a 15% sobre contribuintes com renda superior a R$ 1 milhão no ano. “Essa é uma forma de voltar a tributar rendas que atualmente são isentas, como lucros e dividendos e determinadas modalidades de aplicações financeiras. Segundo os dados da Receita Federal, o grupo de 0,01% da população brasileira com maior renda recebe mais da metade da sua renda na forma de lucros e dividendos”, escreve o economista Manoel Pires. Do ponto de vista macroeconômico, no entanto, “a mudança redistributiva deve produzir um impacto expansionista na demanda agregada. Ao tributar os mais ricos para financiar a desoneração da classe média baixa, a proposta deve estimular o consumo”, alerta.

Pires reconhece que pouco se sabe sobre a medida, mas julga ser inoportuna sua discussão no momento, dado o seu forte impacto eleitoral e sobre as contas públicas. Ele acrescenta ainda que o maior problema do IRPF, atualmente, não é a faixa de isenção, mas sua modelagem.

“Em uma pesquisa comparativa de 2023, publicada no Observatório de Política Fiscal, constatou-se que, no Brasil, a dedução por dependentes é muito baixa comparativamente à de países da OCDE. A título de exemplo, uma família com quatro membros, sendo três dependentes, tende a ter uma carga tributária muito mais elevada do que uma família monoparental com a mesma renda”, escreve Pires, notando que a segunda tem capacidade de contribuição muito maior. “Ajustar esse tipo de desigualdade é mais eficiente e mais barato para o governo.”

Outra consequência da atividade sobreaquecida começa a aparecer nas contas do setor externo. Especificamente, o déficit em conta corrente caminhando para perto de 2,5% do PIB. Embora as exportações continuem firmes, houve grande salto das importações. O economista Lívio Ribeiro nota que, embora um déficit de tal ordem não represente uma ameaça à sustentabilidade externa do país, “exigirá a absorção de mais capitais de curto prazo, o que pode tornar os resultados do balanço de pagamentos mais instáveis”.