Por Naercio Menezes Filho
O ano termina com ótimas notícias na economia real, mas com o mercado financeiro bastante agitado e a popularidade do governo patinando. O que será que está acontecendo? Quais as perspectivas para as políticas públicas nos próximos anos?
O ano está terminando muito bem na economia real, com o crescimento previsto do PIB para este ano na casa de 3,5%, perfazendo um crescimento de quase 7% em dois anos. Isso deve levar o padrão de vida da população de volta ao pico observado em 2013. O mercado trabalho também está aquecido, com a taxa de desemprego chegando a 6,2% no terceiro trimestre deste ano, o ponto mais baixo desde o início da série da Pnad-Contínua. O salário real médio atingiu R$ 3.200, também o maior nível da série, se descontarmos o período da pandemia, em que muitos trabalhadores não qualificados saíram do mercado de trabalho.
Além disto, a reforma tributária foi aprovada, o que deverá trazer crescimento de produtividade no futuro. Foram firmados acordos com funcionários públicos de quase todos os setores, com aumentos salariais moderados para os próximos anos. Também tivemos avanços no meio ambiente, vacinação e novos programas educacionais. Por todos estes motivos, poderíamos esperar que a população estaria bastante satisfeita, passando um Natal feliz, com a popularidade do presidente Lula nas alturas.
Mas isto não está acontecendo. O ano terminou com o mercado financeiro bastante instável, com grande valorização do dólar e seguidos aumentos da taxa de juros de longo prazo. Este movimento se baseia na expectativa de que os déficits públicos irão continuar aumentando no futuro, porque muitas despesas obrigatórias crescem automaticamente acima do permitido pelo arcabouço fiscal. Assim, os agentes pedem taxas de juros cada vez maiores para emprestar dinheiro ao governo. E isso aumenta ainda mais a dívida pública.
Estas expectativas estão corretas, mas é difícil solucionar este problema. Primeiro, porque o Congresso não quer fazer a sua parte, rejeitando limites aos supersalários, cortes de benefícios tributários, aumentos de imposto de renda sobre os mais ricos e a tributação de lucros e dividendos. Além disto, o próprio partido do governo está dividido com relação à necessidade de melhora nas contas públicas, com uma ala enxergando os movimentos do dólar e juros como um complô do mercado financeiro.
Os tempos de aumento contínuo de gastos públicos sem avaliações de impacto estão chegando ao fim.
Além disto, a avaliação do governo pela população não está tão boa, apesar das boas notícias no mercado de trabalho. As gerações que nasceram até os anos 1980 foram muito impactadas pelos programas sociais dos anos 2000, que transformaram as suas vidas, especialmente no Norte e Nordeste. Estas famílias, que tinham pouca ajuda do Estado até então, passaram a contar com programas como o Bolsa Família, Luz para Todos e as cotas, que permitiram que milhões de famílias pudessem se alimentar decentemente e comprar seus primeiros eletrodomésticos. Além disto, seus filhos terminaram o ensino médio e foram os primeiros da família a entrar na faculdade. Para estas gerações, Lula é um símbolo da transformação que houve em suas vidas.
Mas para as gerações mais jovens, que nasceram a partir dos anos 1990 e cresceram com estas políticas já implementadas, não há contraste antes-depois. Estas gerações cresceram com a inflação já estabilizada e seu principal problema de saúde deixou de ser a subnutrição e passou a ser a obesidade e a saúde mental, agravada pelas redes sociais. Muitos destes jovens saíram da casa dos pais e já não recebem o Bolsa Família, conseguindo inserir-se no mercado de trabalho, mesmo que de forma precária. Para estes jovens, Lula já não é um símbolo de transformação social.
As novas gerações querem ter a possibilidade de crescimento rápido de renda, com autonomia e flexibilidade de trabalho. Um exemplo típico são os jovens que concluíram o ensino médio e têm um trabalho autônomo, como MEI ou motorista de aplicativo. Eles não são sindicalizados, podem ter mais de um trabalho ao mesmo tempo e não trabalham no setor público. Ao mesmo tempo, 25% dos jovens continuam tendo empregos precários, transitando permanentemente entre emprego informal, desemprego e “nem-nem”. Estes jovens serão os próximos dependentes dos programas de transferência de renda.
Para atender estas novas gerações, agora que nossa rede de bem-estar social está sedimentada, é necessário avançar nas políticas públicas baseadas em evidências, que comprovadamente conseguem melhorar a vida das pessoas. Dada a restrição fiscal, que impede o crescimento dos gastos sociais e do salário mínimo acima do previsto pelo arcabouço fiscal, será necessário cada vez mais concentrar os gastos nos programas que realmente fazem a diferença, buscando eficiência acima de tudo. Muitos dos nossos gastos sociais, benefícios tributários e subsídios não têm retorno para a sociedade.
No campo da educação, por exemplo, é urgente investir na melhoraria da aprendizagem. Os recursos públicos têm que ir prioritariamente para as políticas que funcionam, como as escolas em tempo integral, por exemplo. Afinal, os jovens querem flexibilidade, autonomia e crescimento rápido de renda, mas ainda não possuem o conhecimento e as habilidades necessárias para atingir estes objetivos.
Na assistência social, temos que tornar as políticas intersetoriais. Para isso, será necessário identificar as pessoas que participam de todos os programas de governo através do CPF, para que possamos aumentar a complementaridade entre as políticas, maximizando o impacto de cada uma delas . Na segurança pública, preocupação central de grande parte da população, o governo federal tem que estabelecer parcerias com os Estados e focar na inteligência, contando com as câmaras de segurança nos policiais.
Em suma, daqui para a frente será necessário focar nas políticas públicas que comprovadamente atingem seus objetivos, maximizando os benefícios para a sociedade e reduzindo custos. Os tempos de aumento contínuo de gastos públicos sem avaliações de impacto estão chegando ao fim. Se isto não ocorrer, teremos cada vez mais situações como a atual, em que, mesmo com os indicadores econômicos excelentes, os indicadores financeiros provocam uma sensação de instabilidade e a população continua insatisfeita.