Por Maria Cristina Fernandes
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) comprou uma briga com os prefeitos ao extinguir execuções fiscais até R$ 10 mil. A decisão foi tomada por unanimidade na primeira sessão do ano do conselho, em 20 de fevereiro. Atinge dívidas paradas há mais de um ano cujos titulares não tenham sido citados e não tenham bens a serem executados.
Tribunais de Justiça, como o de São Paulo, já emitiram comunicados informando que as providências para a extinção de processos em lote, a partir das listas atualizadas das dívidas, se iniciaram.
Os prefeitos veem na decisão um estímulo à impunidade e um empecilho à efetividade de políticas de trânsito, ambientais, de limpeza urbana e até de combate a endemias. Avaliam ainda um impacto, ainda não dimensionado, sobre a arrecadação própria dos municípios.
“E como vamos conseguir que se obedeça ao limite de velocidade e as multas para despejo irregular de lixo? Os municípios serão desprovidos de instrumentos para combater a propagação da dengue”, diz o prefeito de Araraquara (SP) e secretário-geral da Frente Nacional de Prefeitos, Edinho Silva.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Roberto Barroso, o rebate com o argumento de que os municípios não perderão meios de efetivar a cobrança e que o Judiciário tem que ser desafogado.
“A resolução prevê o protesto da certidão da dívida ativa antes do ajuizamento da execução que é mais eficiente para a cobrança. São 85 milhões de processos em tramitação no Judiciário, 34% são execuções fiscais. Não há como dar celeridade ao Judiciário com esse volume de processos sem perspectiva de resultado”, diz Barroso.
Em estudo do Supremo Tribunal Federal cuja decisão sobre o tema lastreou a resolução do CNJ, a arrecadação via protesto é de 20%, enquanto aquela por meio de execução se limita a 2%.
Como vamos conseguir que se obedeça ao limite de velocidade?”
A FNP pediu uma audiência com Barroso na segunda-feira. O encontro foi marcado já para o dia seguinte. Como nem todos os participantes do encontro, que ainda reuniria a Associação Brasileira de Municípios e a Confederação Nacional de Municípios, teriam como viabilizar a ida a Brasília de imediato, a audiência será remarcada.
Prefeitos argumentam que o teto estabelecido na resolução, de R$ 10 mil, atinge a quase totalidade das dívidas dos munícipes, principalmente nos municípios de médio e pequeno porte. Levantamento do CNJ estima que 52% das execuções fiquem sob este teto.
No Judiciário, a resistência é atribuída à indisposição dos prefeitos em enfrentar a animosidade dos eleitores em relação ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), principal tributo municipal. O ajuizamento das ações, de acordo com esta avaliação, seria costumeiramente represado. Acabaria sendo feito no fim do ano apenas para que o provisionamento da receita futura permitisse o cumprimento dos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com isso, o congestionamento no ajuizamento da execução fiscal chegaria a 88%, com um tempo médio de tramitação de seis anos e sete meses, segundo o relatório “Justiça em Números” (2023). A este represamento é atribuída a principal causa de morosidade do Judiciário.
Antes da resolução, o CNJ teria recebido o aval da procuradoria fazendária de grandes capitais. A resistência é atribuída a cidades de médio e pequeno porte.
Se mantida, a decisão do CNJ pode aumentar a tensão na relação dos contribuintes municipais com os prefeitos num ano sensível de campanha. Lideranças de entidades municipais veem na resolução um indício de que o Conselho Nacional de Justiça pretendeu legislar.
Finda a audiência com o ministro Barroso, se o impasse permanecer, as entidades municipalistas estão dispostas a pressionar o Congresso Nacional pela votação de uma lei sobre o tema. E avaliam que a decisão, por se dar em ano de disputa municipal, em que os parlamentares são particularmente sensíveis às demandas dos prefeitos, seus cabos eleitorais, lhes seja favorável.