Por Laura Ignacio e Adriana Aguiar
Os secretários de finanças das capitais do país, representados pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), estudam entrar com ação na Justiça para tentar ter acesso a mais de R$ 2 bilhões “abandonados”. Esses valores estariam em 4,7 milhões de contas bancárias de pessoas que já morreram e não teriam herdeiros – a chamada “herança jacente”.
Nesses casos, após procedimento judicial, a legislação permite que o montante seja direcionado aos municípios onde essas pessoas moravam. No atual Código de Processo Civil (CPC), o tema consta dos artigos 738 a 744. No Código Civil (CC), do artigo 1.819 ao 1.823.
A ida ao Judiciário passou a ser uma medidas estudadas pela entidade porque o Banco Central (BC) não atendeu pedido para acesso a informações sobre essas contas bancárias. As mortes teriam sido verificadas no cadastro da Receita Federal. Foi solicitada uma relação por CPF e instituições financeiras, além do número das contas correntes.
“Queríamos construir uma solução administrativa que permitisse o acesso dos municípios a essas informações com todos os requisitos de segurança e proteção de dados”, diz o assessor jurídico da Abrasf, Ricardo Almeida. Com esses dados, acrescenta, cada município ajuizaria uma ação judicial para a convocação de eventuais herdeiros.
O BC, por meio da Procuradoria Geral do Banco Central (PGBC), afirma que haveria “inviabilidade jurídica do pedido” – violação do dever de preservação do sigilo de que trata a Lei nº 12.527, de 2011, e a Lei Complementar nº 105, de 2001. Alega também que a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais não teria legitimidade para representar o interesse da totalidade dos municípios.
“Agora, estudamos se a medida cabível seria propor no Judiciário medida cautelar de produção antecipada de provas”, afirma Ricardo Almeida.
Antes, porém, a Abrasf pretende retomar o contato com o Banco Central para saber se seria possível transpor essa inviabilidade, de acordo com o presidente da entidade e secretário de Finanças de Porto Alegre, Rodrigo Fantinel.
“Cada município pode pedir os dados diretamente ao Banco Central, se preciso”, diz ele. “Mas, se houver uma negativa mais enfática deles, a única alternativa será buscar as informações das contas bancárias pela via judicial.”
Segundo Fantinel, esses dados são importantes para os secretários de finanças porque é a partir deles que verificariam se, realmente, não existem herdeiros. “Também, claro, seria mais uma fonte de receita dos municípios.”
Leonardo Moreira Lima, advogado e professor de processo civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), explica que uma herança é considerada jacente quando ninguém reclama o direito. Mas para os bens serem transferidos para os municípios, diz, é necessário, obrigatoriamente, um procedimento judicial.
“De acordo com o artigo 743 do Código de Processo Civil, primeiro é aberto um processo judicial pelo qual é publicado um edital para chamar possíveis herdeiros no prazo de um ano. Se não houver herdeiros habilitados nesse período, uma sentença declarará a herança como vacante”, afirma o especialista.
Depois, diz Lima, segundo o artigo 1822 do Código Civil, é aberta a sucessão e começa a correr o prazo de cinco anos para a manifestação de eventual herdeiro necessário. “Só após finalizado esse novo prazo, os bens passam a ser do município.”
Para o professor, os municipios têm legitimidade para entrar com ação na Justiça por serem possíveis titulares da herança. “Mas o ideal seria o próprio Bacen noticiar sobre possível herança jacente em contas bancárias ao Judiciário, onde seria garantido o sigilo”, diz. “Nesse processo, um curador seria nomeado para fazer todos os procedimentos para para se ter certeza de que não há herdeiros, até o momento em que os bens passam para o município.”
A advogada Maria Tereza Tedde, do Tedde Advogados, entende que, tecnicamente, a resposta do BC está certa. Não seria possível, acrescenta, repassar as informações das contas bancárias aos municípios. “Existe uma tentativa, por parte dos municípios, “Existe uma tentativa, por parte dos municípios, de quebra de sigilo bancário sem fundamento e sem determinação judicial, de avançar na propriedade privada, em desacordo com o que prevê a lei”, afirma.
Os bancos, acrescenta, não poderiam fornecer uma lista das contas esquecidas a uma prefeitura somente porque, ao cobrar tributos, descobriu que os proprietários morreram. “Não é porque aquela conta ou bem está parado que não existem herdeiros ou inventário”, diz. “Imagina se o herdeiro descobre depois que tem a conta e os valores já foram encaminhados ao município. Como faz?”
Procurado pelo Valor, o Banco Central informou que não se manifestaria sobre o assunto.