O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, quer implantar, em eventual segundo governo Bolsonaro, um novo sistema para remuneração de Estados e municípios por procedimentos de Alta e Média Complexidade (MAC) realizados no Sistema Único de Saúde (SUS). A ideia, diz ele em entrevista ao Valor, é que a tabela do SUS deixe de ser o balizador dos repasses federais, que em 2021 totalizaram R$ 67,71 bilhões. Ela será substituída por um esquema baseado na eficiência dos atendimentos – o DRG (sigla em inglês para Grupos de Diagnósticos Relacionados).
O plano vem à tona na reta final da campanha, na qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta a reeleição, e no momento em que candidatos de oposição, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), criticam o governo por conta da defasagem nos valores estipulados na tabela do SUS.
Durante a fase mais grave da pandemia, o Ministério da Saúde esteve também sob fortes críticas em função da forma como geriu a crise.
A mudança no sistema de rateio é vista como necessária pelo Conass e o Conasems, que representam os secretários estaduais e municipais de Saúde, respectivamente. Mas as entidades afirmam que o tempo de transição é maior do que acredita Queiroga. E dizem que a alteração não solucionará os problemas estruturais no setor.
O DRG agrupa dados do paciente (como idade, peso e comorbidades), de procedimentos realizados em hospitais e do resultado das intervenções (como óbitos ou reinternações). O custo de equipamentos e procedimentos deixa de ser a única referência e passa a ser uma variável para o repasse das verbas.
Essas informações, diz Queiroga, são agrupadas por um algorítimo que estabelece uma espécie de ranking de hospitais. Quanto melhor o desempenho, mais recursos uma unidade recebe. “A gente tira a referência de precificação e passa a monitorar os resultados”, afirma. “O dinheiro que eu vou dar [para o sistema como um todo] é o mesmo. Só que eu vou dar [para o sistema como um todo] é o mesmo. Só que eu vou colocar as pessoas para concorrer umas com as outras e, em função disso, eu vou ter entregas.”
O tema, diz o ministro, ainda precisa ser “pactuado” com Estados e municípios. Mas, dentro da pasta, as conversas estão em estágio avançado. O ministério desenvolveu um software para agrupar informações, afirma Queiroga. E técnicos da Saúde vêm coletando informações com seus pares da Dinamarca, onde o sistema DRG já está implementado.
Além disso, diz o ministro, a pasta já utiliza um método baseado em metas para repasses do programa QualiSUS Cardio (que mede a qualidade em cardiologia).
Segundo Queiroga, a mudança precisa obedecer algumas etapas. A primeira é a criação de um “índice de necessidade” para o MAC. Ele vai contemplar apectos epidemiológicos, socioeconômicos e de oferta de serviços em cada região.
Depois, será criada uma Rede Nacional de Dados da Saúde. Nela, cerca de 7.000 hospitais fornecerão dados sobre mortalidade, tempo de internação hospitalar, reinternação, procedimentos e resultado dos tratamentos. O último passo é a implantação do DRG.
“A gente pretende já ter implementado todo o rateio com base na metodologia por necessidade populacional, o índice de vulnerabilidade e fazer essa redistribuição [dos recursos] até o final do ano que vem”, diz a secretária de Atenção Especializada à Saúde (SAES), Maíra Batista Botelho.
Secretário-executivo do Conasems, Mauro Junqueira defende a mudança nos critérios de distribuição das verbas de MAC, citando a lei 141 de 2012. O texto estipula que o rateio dos recursos deve levar em conta “as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde”.
“Isso [a mudança no rateio] não se faz de um ano para o outro, mas é preciso começar para que em determinado momento se faça distribuição equânime de recursos”, afirma Junqueira. “É preciso que seja pactuado um período de transição também para que aquele que em tese perderia recursos se ajuste, para que possa chegar de igual para igual com os demais.”
Já Nésio Fernandes, presidente do Conass e secretário de Saúde do Espírito Santo, afirma que o DRG “não é nenhuma panaceia”.
“O DRG compreende dois de oito componentes de remuneração no Espírito Santo. Não é absoluto”, diz. “Reconhecemos a urgência de modificação das regras atuais, que são obsoletas. Mas em política pública de saúde não existem letras mágicas e soluções únicas para temas muito complexos.”
Segundo ele, “não adianta discutir método, se a participação da União no custeio da Saúde não chega a financiar 35% dos custos”.
“O debate de método deve vir com essa correção, senão é estéril.”
Professor da FGV e especialista em gestão e financiamento de sistemas de Saúde, Gustavo Fernandes vai na mesma linha. Segundo ele, a Saúde no Brasil melhorará não apenas com mudança de método ou melhora na gestão, mas sobretudo com um investimento maior na saúde da população.
“Não se pode confundir problema de financiamento com problema de gestão”, diz Fernandes. “O gasto per capita anual com Saúde no Brasil é de US$ 750 dólares, contra US$ 3.000 na Alemanha e no Reino Unido. A não ser que achemos que esses países são de baixa eficiência, há uma deficiência estrutural. Não temos dinheiro.”