Lu Aiko Otta
Fevereiro ainda não acabou, mas os dados preliminares mostram que a arrecadação tributária seguiu robusta. Haverá queda em relação ao recorde histórico de janeiro. Por motivos sazonais, os ingressos de receita são maiores no primeiro mês do ano do que no segundo. Mas tudo indica que haverá, novamente, uma surpresa positiva.
O desempenho da arrecadação é recebido com alívio nos bastidores da equipe econômica. Também há grande torcida para que se confirme o anúncio, hoje, de um forte superávit primário nas contas do governo central em janeiro. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou um saldo positivo de R$ 77,9 bilhões para o mês.
Assim, ganha corpo a hipótese de o governo não tomar a impopular decisão de contingenciar despesas para cumprir a meta de zerar o déficit público neste ano eleitoral. A decisão será anunciada no dia 22 de março, com a divulgação do relatório bimestral com projeções de receitas e despesas para o ano.
Ainda que o Orçamento permaneça intacto em março, o quadro para as contas públicas está longe da tranquilidade neste ano. Nem contingenciamento nem mudança de meta fiscal estão descartados, admite-se nos bastidores.
As incertezas começam pelo próprio desempenho das receitas. Não está claro se o primeiro bimestre surpreendente em termos de arrecadação é algo que se manterá ao longo de 2024, comenta-se na área técnica.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) estima que a arrecadação crescerá em R$ 130,4 bilhões com as medidas no campo tributário aprovadas no ano passado e outras iniciativas. É uma cifra elevada, mas abaixo dos R$ 274,7 bilhões esperados pelo governo. A IFI acredita que possa haver frustração com medidas como a tributação sobre subvenções concedidas por governos estaduais e a retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Outro ponto de incerteza é é o futuro da Medida Provisória (MP) 1.202. Ponto de atrito entre o Planalto e o Congresso Nacional, é um tema em discussão. Nos bastidores da área econômica, o que se diz é que o resultado fiscal esperado com a MP precisa ser alcançado. Se não com as mudanças legais que estão propostas nela, com outras medidas que tragam o mesmo impacto no caixa.
Podem também aparecer surpresas pelo lado das receitas.
Diante do cenário incerto, a equipe econômica vai ganhando tempo. O risco de uma revisão da meta fiscal, que esteve muito forte no fim de 2023, agora parece adiado para maio.
Há, porém, desafios ainda maiores à frente. O próprio arcabouço fiscal corre o risco de tornar-se inviável, se não forem revistos os critérios de correção de três tipos de despesa: os pisos de saúde e educação, aquelas atreladas ao salário mínimo (benefícios previdenciários, abono, seguro-desemprego e Benefícios de Prestação Continuada) e as emendas de parlamentares ao Orçamento.
Todas elas crescem a um ritmo maior do que o limite de despesas do arcabouço. Assim, se nada for feito, acabarão ocupando todo o espaço do orçamento e inviabilizando outras áreas do governo. Ou determinando a morte do arcabouço fiscal.
No campo da saúde, a avaliação mais ouvida entre os técnicos é que a área já obteve um reforço orçamentário grande, com a Emenda Constitucional da Transição e com o fato de o novo arcabouço haver recuperado as regras de gastos mínimos que haviam sido revogadas pelo teto de gastos. Assim, uma ideia que se discute é deixar o orçamento da saúde subir junto com o limite de despesas do teto, ou seja, até 70% do crescimento da receita no ano anterior – e não a 100%, como é hoje.
No campo das despesas como abono e seguro-desemprego debatem-se ideias como fazer com que elas recebam apenas parte do aumento real concedido ao salário mínimo. Trata-se, porém, de um debate delicado. No governo passado, a ideia de desindexar benefícios previdenciários do salário mínimo colocou em risco a cabeça do número dois do poderoso Ministério da Economia.
Difícil dizer quais desses temas seria mais impopular. O espaço apertado para a elaboração da proposta orçamentária de 2025, porém, pode criar na própria Esplanada dos Ministérios um meio de cultura propício à evolução dos debates, que já ocorrem na área técnica.
30 anos da URV
Nesta semana, completam-se 30 anos do lançamento da Unidade Real de Valor (URV). Foi uma moeda virtual cujo valor mudava todo dia, conforme a inflação, e que virou referência para salários e contratos no dia 1º de março de 1994. Em 1º de julho, a URV deu lugar ao real. Desde então, a inflação no Brasil foi domada.
O Valor conversou com dois “pais” do plano, Edmar Bacha e Persio Arida, que falaram da dimensão política do Plano Real. Bacha contou como foi decisiva para a implementação do plano a liderança do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como a estabilização dos preços o ajudou a chegar ao Palácio do Planalto e como os dois mandatos do tucano consolidaram as bases da modernas da economia brasileira. Arida mostrou que a democracia é a força que mantém a inflação comportada.