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Reforma Tributária
Representantes de infraestrutura temem distorções na reforma tributária
Participantes chamaram a atenção para o risco da cumulatividade de tributos
19/09/2024
Senado Federal

A regulamentação da reforma tributária deve ser aprimorada para assegurar a segurança jurídica dos contratos e reduzir distorções no tratamento de diversos setores da infraestrutura, segundo especialistas ouvidos nesta quarta-feira (18) em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Os debatedores chamaram atenção para o risco de cumulatividade de tributos, aumento de alíquotas em setores estratégicos e incerteza sobre a sustentabilidade de concessões ao setor privado.

A reforma foi promulgada em dezembro de 2023, como Emenda Constitucional 132. A audiência pública faz parte do ciclo de debates solicitado pelo presidente da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), para ajudar o grupo de trabalho coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) — que presidiu a reunião — na avaliação do primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária (PLP 68/2024).

Concorrência desleal

Representando a Confederação Nacional do Transporte (CNT), a consultora tributária Alessandra Brandão manifestou a preocupação da entidade com alguns aspectos da regulamentação. Segundo ela, o transporte internacional de cargas poderá tornar relativamente mais baixos os custos dos transportadores estrangeiros.

— Teremos uma concorrência totalmente desleal — avaliou.

Entre outros pontos, Alessandra também apontou como oneroso o período de transição previsto para as locadoras de veículos, e cobrou mais “compreensão” e “transparência” no PLP sobre a redução de alíquotas do transporte de passageiros entre estados e municípios, da mesma forma que foi feita no transporte aéreo.

O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Ferreira Gomes Barreto, salientou os avanços trazidos pela reforma tributária, em especial o princípio da não-cumulatividade de tributos. Mas ele criticou aspectos do texto em tramitação. Conforme ressaltou, o PLP não é explícito sobre o prazo de aproveitamento dos créditos acumulados de PIS-Cofins, que são importantes para a indústria exportadora e pode atingir um montante muito elevado.

— Nosso receio é que isso seja confundido com a regra geral de aproveitamento do prazo de IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] e da CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços], que é de cinco anos. Isso pode ter um impacto grande.

Barreto alertou que os investimentos em ferrovias envolvem grandes somas e dependem de segurança jurídica. Ele teme que os termos da repactuação dos contratos de concessão à luz da reforma tributária possam trazer exigências descabidas às concessionárias e disse ser difícil prever o cumprimento dos prazos estabelecidos para a repactuação.

Contratos

O diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI), Mário Povia, também expressou preocupação com o reequilíbrio dos contratos, lembrando que o Brasil depende basicamente de investimentos de origem privada para projetos de infraestrutura. Ele defendeu o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) e o estímulo tributário à navegação de cabotagem, e cobrou uma regulamentação que torne o Brasil mais competitivo e produtivo.

— Essa simplificação tributária precisa trazer um ambiente de negócios mais favorável, segurança jurídica e estabilidade regulatória, mas também reduzir o custo Brasil.

Para o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio de Barcelos Silva, a segurança jurídica é peça-chave na atratividade dos novos leilões no setor. Apesar dos avanços do PLP para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, o texto não estabelece qualquer consequência se a respectiva agência reguladora não conseguir reanalisar um contrato no prazo legal de 90 dias.

— Se não considerarmos uma consequência do não cumprimento desse prazo, nos alimentaremos de frustração.

O diretor da associação de grupos de infraestrutura MoveInfra, Márcio Roberto Alabarce, entende que, sem correções de rumo, a viabilidade de vários contratos sob a reforma tributária possa ser posta em risco. Como exemplo, ele disse que, sem crédito tributário, o imposto sobre o material de construção se torna custo para o empreiteiro.

— Existe uma violação à não-cumulatividade muito flagrante, muito gritante.

‘Remédio’

O presidente da Associação dos Aeroportos Federais Privados (ABR), Fábio Rogério Carvalho, definiu a reforma tributária como “remédio para a sociedade”, mas também expressou preocupação com o risco do desequilíbrio dos contratos. Entre as ressalvas que fez à regulamentação da reforma tributária, ele sublinhou que o imposto seletivo sobre bebida e tabaco não faz distinção às vendas em lojas francas.

— Pela redação atual (…), os duty free brasileiros deixam de ser free (…). Seria uma surpresa muito grande não só para os turistas, mas também para a indústria.

O vice-presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Alexandre Lopes, expressou o entendimento da entidade pela exclusão dos encargos setoriais da base da incidência do IBS e da CBS.

— Faz sentido um consumidor que está em Brasília, por exemplo, pagando subsídios ao carvão no Rio Grande do Sul, pagar tributo ainda sobre esse subsídio? — indagou.

A diretora da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, Christianne Dias Ferreira, sublinhou que a reforma elevará a alíquota tributária das operadoras do setor de 9,74% para 26,5% — situação que elevará as tarifas de água e esgoto em 18%. Ela também avaliou que os tributos elevados levarão a uma redução de investimentos, e o mecanismo de cashback não será suficiente para mitigar o aumento das tarifas para consumidores de baixa renda.

— Há quatro anos aprovamos o Marco Legal do Saneamento. (…) Estamos sendo bem-sucedidos com a implementação, pois realizamos já 49 leilões (…) e há muito a ser feito.

Segundo Christianne, a reforma tributária deveria dar tratamento equânime aos setores de saúde e de saneamento, lembrando que o investimento em saneamento corresponde a uma economia 5,5 vezes maior em saúde.

Competitividade

Para o diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), Claudio Loureira de Souza, falta ao projeto uma equiparação tributária entre as diferentes etapas da cadeia logística, o que leva a perda de competitividade internacional. Representando a Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), Marina Cyrino avaliou que a atividade da associação está sendo indevidamente equiparada ao transporte por meio rodoviário para fins de recolhimento de tributos.

O consultor econômico da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist), Euripedes Abud, defendeu proposta que torna obrigatória a revisão de contratos em razão da alteração da carga tributária. O diretor de Novos Negócios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Marcello Cabral, pediu tratamento especial para a aquisição de energia destinada a geração de hidrogênio verde e para a operação de empresas em zonas de processamento de exportação (ZPEs). O diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Conceição da Silva, prevê cumulatividade e “exportação de tributos” se o texto for mantido como está.

A diretora jurídica e de regulação da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), Renata Menescal, defendeu os benefícios socioeconômicos das centrais hidrelétricas de menor porte e também apresentou proposta de alteração do PLP com relação ao reequilíbrio de contratos de longo prazo. E Daniela Martins, diretora institucional da Conexis Brasil Digital — entidade que congrega as principais operadoras de telecomunicações —, disse que o setor recolhe atualmente 29% de tributos (segundo as estatísticas que apresentou, a média mundial está em 12%) e tem o desafio de enfrentar a concorrência de serviços semelhantes que são menos tributados.

Fazenda

O representante do Ministério da Fazenda, Matheus Rocca, assessor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (Sert), concluiu a audiência pública. Ele destacou que os projetos do Poder Executivo enviados ao Congresso, que regem a transição para a nova política tributária, contaram com a participação da União, dos estados e dos municípios. Defendeu o mecanismo de reequilíbrio de contratos da forma como foi aprimorado na Câmara. No entanto, Rocca rejeitou a proposta, manifestada por entidades de infraestrutura, de possibilidade de reequilíbrio cautelar em favor das contratadas quando não houver decisão das agências reguladoras no prazo legal.

— Esse tema foi muito debatido (…). Há setores que sofrem com a morosidade nesse processo de desequilíbrio, mas não se chegou a um meio-termo de permitir uma parte do reequilíbrio de forma cautelar por diversas questões práticas (…) Dando um exemplo básico de pedágio: quem passou num pedágio e teve um acréscimo na tarifa em razão do reequilíbrio econômico-financeiro não necessariamente seria restituído por isso.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) cumprimentou os membros do grupo de trabalho que analisa a regulamentação da reforma tributária e expressou a repercussão positiva dos debates sobre o tema entre os vários setores da economia.

— Tudo que está sendo dito aqui não é só para cumprir tabela: está sendo muito, muito absorvido por todos nós.

Izalci definiu o debate como uma abordagem do “mundo real” sobre o projeto, com o recolhimento de propostas objetivas para modificar o texto em tramitação.

— Na teoria, o projeto está bem consolidado. Teoricamente e academicamente, está maravilhoso. (…) Apresentou a emenda, vamos debater isso de forma muito clara.