Por Gabriel Roca, Gabriel Caldeira e Victor Rezende
O aumento na desconfiança com os rumos da política fiscal somado ao início do processo de aperto monetário tem gerado uma piora relevante nos juros reais de mercado, que são extraídos das NTN-Bs – títulos atrelados à inflação -, e que já se aproximam da marca psicológica de 7% em alguns vencimentos. No leilão semanal realizado ontem pelo Tesouro Nacional , as taxas dos papéis com vencimento em três anos (maio de 2027) chegaram a 6,709%, em uma dinâmica que acendeu um alerta para o encarecimento dos custos de financiamento do governo e para uma piora na composição da dívida.
Os níveis atuais dos juros reais de mercado mostram estresse relevante, ao se aproximarem das taxas vistas no início de 2016, durante o governo de Dilma Rousseff.
“O Brasil tem passado por alguma desconfiança em relação ao tema fiscal e passou por algo semelhante em relação ao Banco Central, mas esse segundo ponto tem sido endereçado”, observa o chefe de renda fixa da Santander Asset Management, Luciano Rais. Para ele, porém, há um problema no fato de os riscos fiscais de mercado seguirem em alta. “Há uma agenda muito focada em recomposição de receita e em menos cortes de despesas”, avalia Rais.
“O mercado tem uma desconfiança com o lado estrutural, principalmente. Existe um déficit a ser combatido e isso tem sido enfrentado com itens não recorrentes, enquanto o aumento de gastos tem sido permanente”, afirma Rais. Ele, além disso, observa que o crescimento econômico tem sido forte, apesar da taxa de juros estar restritiva, o que incomoda o Banco Central (BC), que retomou o ciclo de aperto da política monetária.
“O BC voltou a subir juros e isso tem tido um impacto negativo nas taxas de juros das NTN-Bs e dos prefixados. Claro, as NTN-Bs mais longas estão em patamares que chamam atenção, mas não parece ser algo sem justificativa. O juro real esperado terá de ficar mais alto”, diz o executivo da Santander Asset.
O estrategista para Brasil da UBS Global Wealth Management, Ronaldo Patah, concorda, ao avaliar que tanto as incertezas fiscais quanto o recém-iniciado ciclo de aperto monetário ajudam a explicar o salto das taxas das NTN-Bs. Ele nota que, enquanto o movimento dos Treasuries foi bem mais contido, com o juro real americano de dez anos passando de 1,74% no início do ano para 1,77% agora, a taxa da NTN-B de dez anos saltou de 5,4% para 6,5%.
Nesse sentido, para Patah, ainda que o governo consiga cumprir a meta de resultado primário deste ano, a dúvida no mercado quanto a alcançar o resultado de déficit zero também no próximo ano ajuda a explicar o aumento ao redor de 1 ponto percentual nos juros reais, diante do elevação dos prêmios de risco precificados nos títulos.
“Sem novas medidas e com receitas não recorrentes, como tivemos neste ano, o déficit esperado para o ano que vem é de 0,8% do PIB, bem longe da meta, que é zero”, alerta o estrategista, ao citar a possibilidade de que o governo tenha de rever as metas do arcabouço fiscal, o que poderia provocar uma deterioração ainda maior na percepção dos agentes financeiros e, como consequência, juros reais ainda mais altos.
Como sinalizações negativas em torno da questão fiscal, Patah cita a tentativa do governo de ampliar o auxílio-gás e isentar o pagamento de Imposto de Renda (IR) a pessoas que até R$ 5 mil mensais. Por outro lado, a elevação do rating soberano do Brasil pela agência de rating Moody’s, com perspectiva positiva, pode estimular o governo a buscar o equilíbrio fiscal para, pelo menos, começar a conversa sobre retomar o grau de investimento, avalia o profissional.
E é nesse contexto que o sócio e chefe da área de renda fixa da Ace Capital, Luiz Alberto Basqueira, vê os juros reais de médio e de longo prazo com viés negativo. Isso se justifica, no cenário local, pela preocupação com a trajetória da dívida do país e também pela recente piora em sua composição. “Não gostamos do nível do juro nominal nem do real como um todo nos prazos intermediários e longos. É um viés e temos menor exposição nessas parcelas da curva”, afirma.
Além disso, no ambiente externo, também podem ocorrer vetores de pressão às taxas. Segundo ele, existe a possibilidade de que o Federal Reserve (Fed), que iniciou seu processo de afrouxamento monetário em um ritmo de 0,5 ponto , não consiga entregar tantos cortes de juros quanto o mercado espera. Ao mesmo tempo, Donald Trump segue como favorito na eleição americana, o que também pode imprimir um viés de alta aos rendimentos dos Treasuries, impactando também o mercado local.
A maior convicção da Ace no mercado de juros, de acordo com o gestor, é uma visão mais pessimista em relação à inflação. “Além de fatores mais estruturais, como a atividade forte, mercado de trabalho apertado, câmbio e expectativas de inflação desancoradas, temos observados maiores riscos relacionados ao clima com o calor e a seca. Estamos bem pessimistas com a inflação de alimentos, que deve ser de 8% neste ano e de 7% no ano que vem, bem acima das projeções do mercado”, revela Basqueira, que diz gostar de posições compradas (aposta na alta) em inflação “implícita” de curto prazo.
Outro fator de pressão nas taxas reais de prazos médios e longos, segundo Basqueira, é a competição de recursos com o mercado de crédito. “A demanda por hedge [proteção] dos fundos de crédito tem, eventualmente, ajudado a pressionar a curva de juros reais”, diz.
Além disso, o forte ritmo das emissões de títulos incentivados tem sido negativo para os títulos públicos como um todo. “Além da competição, o governo deixa de arrecadar com a isenção para esses títulos. Sem dúvida, acabam tirando recursos que poderiam ajudar a financiar a dívida pública”, afirma.
Vale notar que, até o mês passado, as emissões de NTN-Bs representavam pouco mais de 10% de todas as emissões do ano. O Tesouro Nacional tem optado por concentrar as vendas de títulos públicos em papéis pós-fixados (LFTs), que são indexados à taxa Selic, o que tem ampliado a preocupação com a composição da dívida pública entre os participantes do mercado.
“Se o governo acha que esse juro está no patamar errado e vai cair, faz sentido ele encurtar a dívida vendendo LFT, que é baseada na Selic. Em um ciclo de corte de juros, o custo da dívida cai muito rápido. Agora, se ele está encurtando a dívida e a gente entra em um cenário em que o governo não consegue recuperar a credibilidade fiscal, aí a dívida fica mais frágil”, diz o economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.
“Você sai de um financiamento de longo prazo, que é a NTN-B, para um financiamento de prazo mais curto, que é a LFT, que tem prazo de até seis anos. Então fica um movimento mais frágil”, avalia Mansueto. “Vender uma NTN-B pagando um juro de 6,5% é muito alto. Se o governo tiver certeza que vai tomar ações que vão mostrar o compromisso com o fiscal e que esse juro vai cair, aí pode fazer sentido. Agora, se essas ações não vierem, se o mercado continuar com dúvida, e se o juro longo se estabelecer nesse nível atual, o governo estará aumentando a fragilidade do financiamento da dívida”, afirma.
Rais, da Santander Asset, nota que há um debate entre os players de mercado sobre se, de fato, o Tesouro não tem tido demanda pelas NTN-Bs ou se apenas não deseja chancelar o nível alto dos juros de mercado. “Se ele tiver demanda, mas preferir não colocar por causa dos juros altos, pode parecer uma decisão arriscada, por deixar a dívida mais ‘pós-fixada’”, diz o profissional, ao pontuar os riscos caso a Selic tenha de subir de forma mais intensa.