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Rombo de 9% do PIB é sinal poderoso de alerta para contas públicas
Um déficit nominal dessa magnitude preocupa por se tratar da métrica fiscal que define a dinâmica da dívida pública, já elevada e em trajetória crescente a perder de vista
16/01/2025
Valor Econômico

Por Sergio Lamucci

O Brasil caminha para ter um déficit nominal, que inclui gastos com juros, na casa de 8,5% a 9% do PIB neste ano e no próximo, um nível muito alto em qualquer comparação internacional. Um rombo dessa magnitude preocupa especialmente por se tratar da métrica fiscal que define a dinâmica da dívida pública, já elevada e em trajetória crescente a perder de vista. Em novembro, o endividamento bruto do governo ficou em 77,7% do PIB, acima dos 71,7% do PIB do fim de 2022, e ruma para superar 80% do PIB.
O resultado nominal das contas públicas é a soma dos gastos com juros com o resultado primário, que exclui as despesas financeiras. Nos 12 meses até novembro do ano passado, o déficit nominal ficou em 9,5% do PIB, número que deve cair no fechamento de 2024 para cerca de 7,9% a 8% do PIB, especialmente porque sairão desse acumulado as despesas com precatórios de mais de R$ 90 bilhões realizadas em dezembro de 2023, o equivalente a cerca de 0,8% do PIB na época. Naquele mês, os gastos com recursos decorrentes de sentenças judiciais elevaram o déficit primário, e deixarão o total em 12 meses apenas em dezembro do ano passado. Com isso, o rombo nominal cairá para a casa de 8% do PIB, ainda assim um número muito elevado.
Para 2025, o déficit nominal voltará a crescer. O consenso do mercado é de um buraco de 8,4% do PIB, segundo as projeções reunidas no Boletim Focus do Banco Central (BC). Mas há números mais altos. O BTG Pactual estima 8,6% do PIB, enquanto o Itaú prevê 9% do PIB, e a Instituição Fiscal Independente (IFI), 9,6% do PIB. São números muito elevados, bem acima dos 5,6% esperados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a média dos emergentes.
A maior parcela do déficit nominal se deve aos gastos com juros. Nas contas do BTG Pactual, o rombo nominal deve ficar em 8,6% do PIB neste ano, resultado de despesas financeiras de 8% do PIB e de um déficit primário de 0,6% do PIB. O ponto é que a combinação de uma dívida pública elevada com juros elevados resulta em despesas financeiras nas alturas. Os gastos com juros deverão superar R$ 1 trilhão em 2025, um valor sem dúvida muito alto. Essas despesas, porém, só serão reduzidas de modo sustentado se a percepção de risco fiscal diminuir, abrindo espaço para baixar estruturalmente as taxas de juros.
Derrubar os juros a fórceps, como fez o Banco Central (BC) na primeira gestão de Dilma Rousseff, só causará mais problemas. A inflação ficará ainda mais distante da meta perseguida pelo BC, de 3%, afetando a credibilidade da autoridade monetária e exigindo taxas mais altas no futuro.
No curto prazo, seria fundamental aliviar a pressão sobre o câmbio, que continua acima de R$ 6. O fluxo de saída de dólares em janeiro deve ser menor do que em dezembro, influenciado principalmente pelas elevadas remessas de lucros e dividendos de multinacionais no fim do ano. Ainda assim, dois fatores continuam a manter a moeda americana num nível elevado. O primeiro é o cenário externo mais adverso, que se consolidou após a vitória de Donald Trump. A expectativa é que o republicano adote uma política comercial e uma política fiscal que resultarão em inflação mais alta, o que deverá fortalecer o dólar no mercado internacional e levar a juros americanos mais altos do que se projetavam há alguns meses.
Em relação a esse fator, não há nada obviamente que o governo brasileiro possa fazer. O outro é a incerteza sobre as contas públicas. Com isso, cresce a necessidade de uma resposta da política fiscal, que reduza o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Isso passa por não dar aumentos acima da inflação para benefícios previdenciários e assistenciais, além de desvincular os gastos com saúde e educação da variação da receita. Medidas nessa direção melhorariam as perspectivas para a trajetória da dívida pública, ao reduzir a velocidade de crescimento das despesas obrigatórias e facilitando a obtenção de um resultado primário mais positivo. Com isso, haveria espaço para uma queda do dólar, o que contribuiria para ancorar as expectativas de inflação e, com isso, abriria terreno para o BC ser menos duro na condução da política monetária.
Não é um caminho politicamente fácil, claro, mas é menos doloroso adotar essas medidas num momento como o atual, em que a economia cresce a um ritmo considerável, com desemprego baixo e renda em alta. Além disso, os benefícios previdenciários e assistenciais deixariam de ter aumento acima da inflação, mas teriam o valor preservado em termos reais. Uma reforma administrativa e iniciativas para combater os supersalários no setor público também são importantes, mas têm impacto fiscal mais limitado. Em algum momento não distante, será preciso promover uma nova rodada de reforma da Previdência.
A opção atual do governo é a de buscar medidas para cumprir as metas fiscais de curto prazo, sem enfrentar o problema estrutural de crescimento do gasto. Se seguir por esse caminho, o dólar continuará caro, a inflação seguirá pressionada e o BC vai aumentar muito os juros e mantê-los elevados por mais tempo, com impacto sobre o crescimento e o emprego. O déficit nominal permanecerá na casa de 9% do PIB, elevando a dívida pública e fazendo os investidores exigirem taxas altíssimas para financiar o setor público.