Por Guilherme Pimenta, Jéssica Sant’Ana e Lu Aiko Otta
Para garantir sustentabilidade ao arcabouço fiscal e à trajetória da dívida pública, o governo vai ter que rever o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias, avalia Paulo Bijos, atual consultor legislativo na Câmara dos Deputados e ex-secretário de Orçamento Federal. Segundo ele, não há outra saída, e o ideal é que a equipe econômica enfrente essa questão já após as eleições municipais deste ano.
“Esse é o cenário tecnicamente ideal. No médio prazo, essa será um pauta inescapável”, diz Bijos, que ficou no comando da SOF do início do mandato do presidente Lula a julho deste ano.
Em relação ao quarto relatório bimestral de receitas e despesas, divulgado na última sexta-feira, considerou que não houve afrouxamento fiscal com a liberação de R$ 1,7 bilhão de despesas. Para ele, foi importante a manutenção do faseamento da execução orçamentária, que limita o empenho de despesas nos próximos meses – permitindo, assim, novos contingenciamentos, se necessário.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Alguns especialistas apontaram que, ao descontingenciar R$ 3,8 bilhões no último relatório bimestral, houve afrouxamento fiscal. Como o senhor avalia?
Paulo Bijos: Entendo que não houve afrouxamento, até porque o governo vai manter o faseamento, o que é significativo, já que há cerca de R$ 40 bilhões hoje faseados, então isso é um dado positivo, dá lastro para o discurso do governo, já que permite outros contingenciamentos até o fim do ano, caso necessário, pois impede que os ministérios gastem tudo e, depois, não tenham como cortar. É uma precaução importante, uma estratégia conservadora que foi mantida, reafirmando o compromisso com a meta fiscal.
Valor: Do ponto de vista da meta, o governo tem mirado o limite inferior da banda, e não o déficit zero. Não é uma mensagem ruim?
Bijos: É a regra do jogo. O arcabouço permite uma banda de flutuação que vai sendo considerada bimestralmente. Pensando no cenário ideal, se todas as medidas de arrecadação viessem na magnitude esperada, essa era a intenção [mirar no centro da meta], mas receita é variável, nem sempre sob controle, ao contrário da despesa.
Valor: É factível cumprir as metas neste e nos próximos anos?
Bijos: A macroeconomia tem apresentado um bom desempenho, com inflação sob controle e desemprego em baixa. De outro lado, o desafio fiscal persiste, e isso é reconhecido pelo governo. Existe um nó fiscal a ser desatado, mas há um compromisso com boas trajetórias de resultado primário. Mas, no médio e longo prazos, o desafio não é só o cumprimento da meta, e sim a expectativa de qualidade. Para que haja sustentabilidade, em algum momento vai ser preciso rever o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. É um processo que evolui por etapas e, passada a eleição municipal, será o momento de discutir essa agenda estruturalmente. Controlando o ritmo de crescimento da obrigatória, a despesa vai cair em proporção ao PIB.
Valor: Das discussões estruturais colocadas, como revisão de pisos e mudança indexações, qual a mais fundamental a ser feita?
Bijos: O que mais se aproxima de uma bala de prata é a desindexação combinada com a desvinculação. Temos, por exemplo, quatro despesas obrigatórias vinculadas ao salário mínimo. Do lado das vinculações [à receita], temos os pisos de saúde, educação e emendas. O Brasil tem feito reformas nas últimas décadas, mas uma reforma fiscal estrutural, dessa forma, é aguardada há décadas.
Valor: Mas é possível do ponto de vista político?
Bijos: Tecnicamente, o ideal seria uma ampla desindexação e desvinculação, ou discutir um ganho real das despesas mais moderado, mas politicamente claro que nem tudo se realiza da noite pro dia, é natural que façam-se escolhas. Talvez começar pela discussão [de mudar o crescimento] do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pois há uma lógica em relação aos benefícios, sempre se compara com a aposentadoria e ao salário mínimo, o que dialoga com a qualidade do gasto público.
Valor: É possível esperar o próximo governo para fazer essa reforma?
Bijos: O ideal é que essa discussão ganhe tração pós-eleições municipais, especialmente em 2025. Esse é o cenário tecnicamente ideal. No médio prazo , essa será um pauta inescapável.
Valor: Mas qual é o limite temporal? Sem nenhuma mudança, o arcabouço dura até quando?
Bijos: O cenário de inércia não é positivo e isso já foi demonstrado por estudos do Tesouro, já que haveria um achatamento forte de discricionárias, e isso está contratado e não é muito distante.
Valor: Avalia que uma nova reforma ampla da Previdência será necessária?
Bijos: Uma das marcas do século XXI será o envelhecimento populacional, e todos os especialistas em Previdência já apontam para uma necessidade de tratar isso nas finanças públicas. Há um desafio previdenciário e terá de ser equacionado, e a indexação é um agravante deste deste processo. O ideal é tratar as duas frentes.
Valor: O governo tem utilizado créditos extraordinários em vez de utilizar o Orçamento, principalmente no caso de calamidades e, agora, com a emergência climática. Não é uma saída ruim?
Bijos: Para casos de calamidade, já está reconhecido que é permitido abrir crédito extraordinário. Claro que há um desafio contratado com a emergência climática, o que só reforça a necessidade de controle das obrigatórias, já que novos gastos terão de ser acomodados.
Valor: Qual sua avaliação sobre a proposta de Orçamento de 2025? Ela é mais consistente quando comparado ao de 2024?
Bijos: O lado mais positivo, a meu ver, foi o fato de ter iniciado a abordagem da orçamentação de médio prazo [com previsões de despesas para 2026]. A ideia é que isso seja expandido aos poucos até chegar no horizonte de quatro anos , porque justamente é com esse tipo de exercício de antevisão que vai ser possível enxergar com mais clareza os desafios de achatamento institucionais. E, para mim, o grande desafio é, justamente, conseguir tracionar a agenda de redução do gasto para que ela evolua para uma segunda etapa mais estrutural.
Valor: Mas é preciso fazer essa revisão das obrigatórias para produzir efeitos já em 2025?
Bijos: É o momento de tracionar a discussão a ponto de ter algum direcionamento mais claro. Pelo menos um plano de voo, para poder ser dito que o arcabouço vai ser sustentável.
Valor: Será possível alcançar a meta de superávit de 0,25% do PIB em 2026?
Bijos: Para ser crível, realmente vai ser fundamental que essa revisão estrutural do gasto aconteça em 2025. Pelo menos que haja um encaminhamento claro que demonstre por A mais B que isso vai ser fatível.
Valor: E há ainda o problema dos precatórios, que em 2027 passam a contar integralmente para a meta fiscal. O que fazer?
Bijos: Seria positivo se, no próximo 15 de abril [data de envio do novo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias], a discussão dos precatórios entrasse naquele anexo de revisão de gastos. O anexo começou com Previdência e Proagro e a ideia é expandir esse conjunto de despesas. Pra mim, precatório seria bem interessante que entrasse, com aquela lógica de olhar para um horizonte de quatro anos e comparar duas curvas, uma se nada for feito e a curva com as medidas propostas.
Valor: A dívida bruta do governo está crescendo, apesar da melhora no primário. Como o senhor avalia e como enfrentar esse problema?
Bijos: Essa é uma questão realmente fundamental, porque trajetória da dívida pública é o indicador mais olhado por analistas e investidores. Porque, em última instância, indica a solvência do Estado. Vai ser um grande mérito do governo entregar o resultado [fiscal] em 2024 etc. Mas, quando a gente dilata o horizonte o horizonte temporal, para ter sustentabilidade, seja para o arcabouço, seja para a trajetória da dívida, vai ser fundamental pivotar a trajetória das despesas obrigatórias.
Valor: Então não tem saída?
Bijos: Não tem.