Por Lu Aiko Otta
Uma das hipóteses aventadas pela equipe econômica para dar sobrevida ao arcabouço fiscal, a migração parcial dos repasses da União para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação Básica (Fundeb) para dentro do piso constitucional de gastos no setor pode abrir um espaço de R$ 32,7 bilhões nas despesas discricionárias no período de 2024 a 2026.
É o que mostra a nota técnica “Espaço Fiscal e a Complementação da União ao (Novo) Fundeb”, elaborada por Camillo de Moraes Bassi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“Diante de um Orçamento rígido, a abertura de espaços fiscais é, inquestionavelmente, o principal desafio da atual equipe econômica”, escreve o pesquisador. Como possíveis soluções, discutem-se alternativas como a desindexação dos pisos de saúde e educação, a alteração no conceito de Receita Corrente Líquida (RCL), o resgate da antiga versão da Desvinculação das Receitas da União (DRU) e o recálculo do Fundeb, exemplificou. O estudo detalha esse último ponto.
No caso, o objetivo não é cortar despesas e sim combater um
dos problemas mais agudos do Orçamento federal: o espaço cada vez menor para despesas discricionárias (não obrigatórias). Por exemplo: o pente-fino prometido para 2025 tem como objetivo cortar R$ 25,9 bilhões para reocupar o espaço aberto no Orçamento com outras prioridades do governo.
A nota técnica sobre o Fundeb informa que as despesas do governo com Manutenção e Desenvolvimento da Educação (MDE) devem ser, conforme regra constitucional, equivalentes a 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI). É o famoso piso da educação, que este ano deve atingir R$ 106,9 bilhões, nas contas de Bassi.
Nos anos recentes, o piso da educação foi cumprido sem grandes dificuldades, pois as despesas obrigatórias na área – por exemplo, com salários de professores e funcionários das instituições federais de ensino – foram normalmente maiores do que o piso constitucional.
Não é o que se vê em 2024. Para atingir o mínimo constitucional, o governo precisará aportar R$ 21,7 bilhões em despesas discricionárias. Esse valor escala para R$ 30,7 bilhões em 2025 e R$ 40,7 bilhões em 2026, calcula Bassi. Num momento em que o governo busca mais recursos de livre alocação, a regra do piso tem provocado o contrário.
Apenas 30% do que a União aporta no Fundeb conta para efeitos de cumprimento do piso da educação. O trabalho do pesquisador do Ipea simula o que aconteceria se esse percentual aumentasse.
A hipótese que ele considera moderada, de 50%, diminuiria o volume de despesas discricionárias necessárias para cumprir o piso da educação em R$ 9,4 bilhões este ano. Em 2025, a redução seria de R$ 10,8 bilhões e em 2026, R$ 12,5 bilhões, perfazendo os R$ 32,7 bilhões.
Por outro lado, aumentariam os gastos obrigatórios. Mas, na avaliação do pesquisador, isso não agravaria o problema de rigidez orçamentária. “Os mínimos constitucionais imputam um caráter obrigatório a despesas discricionárias”, disse.
Outro efeito da proposta seria reduzir a diferença hoje existente entre o que o governo efetivamente gasta com MDE e seu impacto no resultado primário, que é maior. Neste ano, essa discrepância é de R$ 16 bilhões.
Na ponta do lápis, a proposta não reduziria um centavo sequer do que a União aporta para complementar o Fundeb. Apenas mudaria o tipo de despesa realizada.
Isso não quer dizer que a mudança teria caminho livre à frente. Em primeiro lugar, porque a regra de contabilizar apenas 30% do repasse da União ao Fundeb no piso constitucional não existe por acaso. Foi aprovada pelo Congresso Nacional por pressão dos Estados, convencidos que desta forma fomentariam uma participação maior do governo federal.
Segundo, porque mexer no piso da educação não é tarefa simples. Em maio, quando a ideia de colocar os repasses do Fundeb no piso constitucional foi ventilada pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, a coluna questionou o ministro da Educação, Camilo Santana, a respeito. “Não tem sentido, isso”, reagiu. “Precisamos de mais recursos para educação.”
A abertura de mais espaço para despesas discricionárias, porém, ajudaria a fortalecer novas políticas. Por exemplo, turbinar o Pé-de-Meia, que hoje é alvo de questionamento no Tribunal de Contas da União (TCU) por ser financiado por um fundo e não transitar totalmente pelo Orçamento da União.
Passadas as eleições, a tarefa prioritária de Tebet e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad é, em primeiro lugar, convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a escolher um conjunto robusto de medidas de ajuste do Orçamento pelo lado das despesas. Em segundo, articular com o Congresso a aprovação das propostas.
Só assim será possível dar uma perspectiva de estabilização e redução da dívida pública capaz de reduzir a desconfiança dos agentes de mercado, refletida na forma de juros elevados e dólar caro. Medidas impopulares estão sobre a mesa, mas já passou da hora de descer do palanque.